Esse manuscrito está me esperando desde 2008.
E é justamente esse o problema.
Senhor Tempo Bom foi originalmente escrito como um roteiro de televisão. Não me julguem. Em 2008, eu estava tentando encontrar uma voz e um espaço para criar. Eu sempre amei histórias de viagem no tempo, e decidi criar uma trama de viagem no tempo que se passasse no Brasil, com problemas que fossem parecidos com os que tinha testemunhado como filha de um médico e uma professora na zona leste de São Paulo (leia-se: gambiarra, jogo de cintura, fechando os olhos para não ver o precipício.)
Na falta de uma, eu criei escaletas (descrição cena a cena, para saber o que acontece e quando) para três temporadas. Ou seja, existem 28 possíveis histórias com o trem do tempo no meu arquivo.
Senhor Tempo Bom é uma delas. O Futuro É Um País Estrangeiro é no mesmo universo de Senhor Tempo Bom, mas foi escrita muito tempo depois, quando eu precisava de um texto para mandar para a “Trasgo” e não tinha ideia de onde deveria começar. Foi a partir desse conto que eu comecei a tirar os outros textos desse universo da gaveta, e tomei coragem para olhar para trás não com desgosto, mas com alguma esperança de que aquelas histórias escritas nos meus tempos residindo na Inglaterra poderiam render frutos agora.
Onde quero chegar com toda essa conversa?
Bem, Senhor Tempo Bom saiu exatamente como tinha pensado nessas escaletas em 2008. Todas as cenas que planejei estão no livro. Claro, alterei algumas coisas dentro da condução da história — eu não sou mais a mesma Anna de 2008, então o texto também não seria o mesmo.
Mas, de resto, tudo saiu conforme o figurino — provavelmente pela primeira vez nesta indústria vital. Para minha surpresa, o livro encontrou um lar na Plutão e até ganhou algumas resenhas positivas. Foi um dos pontos brilhantes de um ano que se provou tão complicado (e nós ainda estamos passando por ele…)
Então eu decidi escrever a história que deu início à série — Saudades do Brasil.
E aí o planejamento foi para o vinagre.
Saudades do Brasil foi a história que deu início a todo o universo do Tempo Pretérito (que é como eu chamo essa série). É onde eu conheci os personagens que me acompanharam por esses anos: Irene, Ruben, Estevão e Galileu, além do misterioso e irritante Xavier.
O diabo é perceber, ao ler as escaletas, que a história meio que repetia o padrão que escrevi em Senhor Tempo Bom. Além de conter pequenos erros históricos e estilísticos que eu não tinha como descobrir em 2008, mas que em 2020 iriam certamente me matar de vergonha.
(Um amigo meu diz que eu deveria parar de sofrer com esse tipo de detalhe. Eu sei que deveria, mas quem disse que consigo? Eu amo ficção histórica por causa dos detalhes, afinal de contas. Isso é assunto para outro dia.)
Ou seja, não vou ter como me apoiar nessas escaletas. Vou ter que começar do zero para essa história.
Só que, ao mesmo tempo, eu não estou começando do zero. Eu conheço os personagens (talvez bem mais do que eu conhecia em 2008.) As pesquisas seguem de vento em popa. E, principalmente: os leitores já sabem de quem estou falando. A responsabilidade de uma continuação é diferente da responsabilidade do texto que inicia a dinastia, digamos assim.
E essa é uma coisa que eu não tinha imaginado, lá em 2008: que alguém leria minhas histórias e que, talvez, fossem querer saber o que acontecia depois.
Pois bem. Hora de trilhar essa rota de novo, de volta ao túnel…